
O mercado de jogos online no Brasil tornou-se não apenas um dos que mais crescem no país, mas também um campo de disputas fiscais. De um lado, municípios que buscam criar condições atrativas para o desenvolvimento do setor. De outro, o governo federal, que vê na indústria de apostas uma fonte estratégica de arrecadação. No cruzamento desses interesses, formou-se um conflito que influencia cada vez mais a dinâmica regulatória.
Governos locais reduzem impostos: aposta na economia e no emprego
Nos últimos meses, várias cidades brasileiras adotaram uma medida que, até pouco tempo atrás, parecia improvável: a redução voluntária de tributos municipais para operadores online. O foco está principalmente no ISS (Imposto Sobre Serviços), cuja alíquota é definida pelos próprios municípios. Em muitos casos, a taxa caiu de 5% para 2%.
Essas mudanças já foram implementadas em cidades como São Paulo, Porto Alegre, Recife e Belo Horizonte. O objetivo é claro: estimular a instalação de sedes, centros de TI, serviços de suporte e até escritórios principais de empresas legalizadas. Isso traz para o município:
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geração de empregos nos setores de tecnologia e finanças;
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aumento de receitas indiretas — aluguel, alimentação, transporte;
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fortalecimento da base tributária a longo prazo.
Alguns gestores locais afirmam abertamente: “Não podemos perder a oportunidade de fazer parte da transformação digital. O jogo, quando regulamentado, não é um vício, e sim um setor que pode trazer benefícios à sociedade.”
No entanto, nem todos os municípios concordam. Críticos argumentam que a redução da carga tributária pode enfraquecer o financiamento de programas sociais, além de ampliar o risco de vício, sobretudo entre jovens e grupos vulneráveis.
Política federal: aumento do imposto sobre o GGR para 18%
Enquanto cidades competem para atrair operadores, o governo federal segue na direção oposta. A partir de 2025, foi definido o aumento do imposto sobre a receita bruta de jogos (Gross Gaming Revenue) de 12% para 18%. Na prática, quase um quinto da receita das empresas passará ao orçamento da União.
A justificativa oficial é simples: a indústria de jogos online apresenta alta movimentação financeira, e o Estado deve extrair dela benefícios consistentes. A arrecadação deverá ser destinada a:
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programas de saúde pública;
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incentivo ao esporte e a projetos voltados à juventude;
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digitalização do setor público;
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prevenção e tratamento do vício em jogos.
Já para as empresas, a medida tem outro significado. Muitos operadores apontam que o aumento da carga não vem acompanhado de desburocratização ou garantias adicionais. Com isso, o segmento legalizado perde competitividade frente a sites ilegais, que não pagam tributos nem taxas.
O conflito interno: duas estratégias no mesmo tabuleiro
O cenário atual representa um clássico embate de interesses:
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Municípios querem atrair negócios, gerar empregos e fortalecer a economia local.
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O governo federal prioriza a arrecadação e a maximização das receitas fiscais.
Na prática, os operadores precisam navegar entre a alíquota reduzida do ISS e o GGR mais alto, o que complica o planejamento, reduz a previsibilidade e afasta investidores internacionais que veem o Brasil como um mercado promissor, porém instável.
Além disso, as diferenças tributárias provocam desequilíbrios regionais: algumas cidades tornam-se “refúgios fiscais”, enquanto outras perdem oportunidades de crescimento.
Caminhos possíveis: em busca de um modelo unificado
Especialistas e representantes do setor defendem a harmonização da política tributária, com medidas como:
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criação de alíquotas básicas unificadas, com margem de ajuste regional;
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desenvolvimento de um mapa fiscal nacional do setor, mostrando a carga tributária total por localidade;
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estabelecimento de um fórum permanente entre municípios e União para discutir ajustes sem transformar a regulação em disputa política.
Com equilíbrio, seria possível manter o crescimento do setor sem prejudicar a arrecadação e sem comprometer a viabilidade das empresas.
Conclusão
O Brasil enfrenta uma escolha: manter a competição interna entre entes federativos, alimentando incertezas jurídicas, ou adotar uma estratégia comum, em que a tributação atue como catalisador do desenvolvimento de um mercado regulado e sustentável. A decisão determinará se, em poucos anos, a indústria será madura e estável ou fragmentada e vulnerável às práticas ilegais.